Topologia de redes , desenho de Paul Baran.
Rafael Ummus colocou algumas questões muito estimulantes em artigo sobre redes operativas que publiquei no Linkedin (o mesmo que publiquei aqui). Acabou inspirando novo texto sobre o tema. Não é propriamente uma resposta, mas uma exploração da pergunta.
A pergunta:
1º
Consultor
Sobre as topologias, padrão de organização e fenômenos interativos
Quando vemos o desenho sobre topologias de redes, de autoria de Paul Baran, que está no início do texto, com uma imagem de rede ao lado da outra, podemos cair na tentação de pensar que o conjunto de topologias faz referência a uma linha evolutiva de desenvolvimento em que uma rede centralizada evolui para descentralizada e depois para distribuída. Mas não é isso que acontece.
Do ponto de vista das rede sociais humanas, cada topologia encerra uma visão específica de mundo e de poder. As topologias de interação geram ambientes sociais essencialmente comunicativos. Assim, o padrão da topologia incide e é expressado diretamente na organização (espontânea naquele contexto) do fluxo da informação e da comunicação e no processo de decisão vigentes na comunidade que se constitui nas interações. A topologia da interação gerada pelo ambiente, normas e regulações em geral, e grau de distribuição da interação configuram os fenômenos interativos (sociais) que acontecem no ambiente. Por isso é importante entender a questão das topologias de rede. Cada topologia é um padrão comunicativo, de convivência, dá origem a um tipo determinado de fenômenos social.
Virtualmente, o padrão é um conjunto de princípios, um determinado desenho de ordenamento dos fluxos entre os elementos conectados de um sistema. No caso das redes, ele se atualiza em estrutura, em situação e tempo presente. As relações entre o padrão e sua atualização, a estrutura de determinado fenômeno e o próprio fenômeno, são recursivas, imbricadas. A atualização é o aqui-agora, situação em que o padrão se corporifica, toma uma forma, na interação das pessoas com as pessoas, com o contexto objetivo e subjetivo em que está sendo acionado, vivido. Não há um modelo de rede, o que temos é um conjunto de princípios (padrão/topologia) que vai dando origem a estruturas muito plásticas, caminhos de fluxo entre pontos conectados. É pura imaterialidade.
Os princípios mais gerais do padrão rede, quando aplicados às interações humanas, são interdependência, ordem emergente, comunicação distribuída e recursiva, auto-organização e a existência de pelo menos um “objeto”. Pierre Lévy (O que é o virtual. 2005: 123) denomina “objeto” o elemento de ligação dinâmica do sujeito coletivo, que dá ensejo à colaboração. Para desempenhar seu papel antropológico, o objeto deve passar de mão em mão, de sujeito a sujeito e subtrair-se à expropriação territorial, a identificação a um nome, à exclusividade ou à exclusão.
O autor considera que a relação com o “objeto” resulta de uma virtualização das relações de predação, de dominância e de ocupação exclusiva. O “objeto” pode ser identificado através de seu poder de catálise das relações sociais e de indução da inteligência coletiva. Ele traça as relações mantidas pelos seres humanos uns frente aos outros. Sua dinâmica como mediador da inteligência coletiva implica sempre num contrato, uma regra, uma convenção.
Os objetivos , princípios, metas que mobilizam a articulação das redes podem ser considerados “objetos” na medida em que funcionam como vetores da integração, pois são adotados por muitos, compartilhados e mobilizam as pessoas para a interação e incidências variadas. São atratores, aproximam por afinidade. Da mesma forma, as agendas compartilhadas, as tarefas.
Mudanças de padrão
É fácil passar de rede descentralizada para centralizada, pois o DNA de ambas tem muita coisa em comum. Objetivamente, o ponto comum é que organização depende de controle. A ideia que para organizar é necessário centralizar (ideia recorrente nos processo coletivos) é um equívoco, pois hoje em dia, com a ubiquidade e possibilidade de contato em tempo virtual, com a possível transparência e acesso aberto (e em tempo real) à informação e conhecimento produzidos nos processos, não se justifica mais. As tecnologias sociais e telemáticas existentes atualmente permitem que seja experimentada a organização emergencial, que necessita padrões de interação mais distribuídos que descentralizados para acontecer.
O que provoca a centralização é a cultura política das pessoas que integram determinada rede, não a existência ou falta de recursos financeiros. A cultura política que temos é que desenha, que oferece o repertório de soluções que usamos a cada instante no que estamos fazendo. É um repertório, um conjunto de narrativas que carregamos. É instrumental, operativo. Vai definir como atuamos a cada situação.
Um fenômeno essencial a ser entendido sobre a diferença entre redes descentralizadas e redes distribuídas é a questão da ordem emergente. Nas redes descentralizadas usualmente replicamos as estruturas das organizações verticalizadas: coordenação, assembleias, decisão por consenso, pensamento único, lideranças como função fixa; cadeias de representação criando força política concentrada, todos podem ser elementos que distorcem o campo social da rede, verticalizando as relações. As metodologias de planejamento e coordenação baseadas no controle, a prática da representação e toda a concentração de poder individual que ela gera; a ideia do pensamento único, a abordagem dilemática são o que conhecemos como experiência política e reproduzimos. As decisões e iniciativas passam pela aprovação de alguma camada da rede, normalmente constituída por representação e presença.
Para sair do descentralizado para o distribuído precisamos de uma des-educação política. Uma abertura para conhecer e experimentar outra cultura de atuação. Implica em aprendizagem de novas formas de sociabilidade e de ação política.
A ordem emergente caracteriza os sistemas abertos e as redes distribuídas. A auto-organização é função da emergência que acontece no tecido das conexões. Sinto que até agora não temos uma boa forma (que esclareça o conceito ) para expressar, para nomear a diferença do que acontece numa situação / rede descentralizada e numa situação / rede distribuída. Opor emergência à participação como fenômeno interativo não me parece esclarecedor, pois o comportamento participativo também acontece num processo que se constitui de forma emergente: em algum momento depois que decidimos em relação ao que emerge em dada situação, estaremos participando da construção de um solução, ou respostas ou…
Quando estamos num regime de interação aberta e mais distribuída que centralizada, as decisões, as respostas e as perguntas surgem no processo da interação. As pessoas falam por si, não há representação. Há pluralidade de vozes. Não estamos seguindo um roteiro pré-definido à interação das pessoas. Tudo deriva da presença. A diversidade de pensamentos constitui riqueza e não um problema. A diversidade de pensamentos não é vista como algo que deve ser reduzida por práticas de consenso e votação. Há muitos caminhos para resolver as demandas. O ambiente é de abundância de possibilidades. O espaço de liderança é dinâmico. O sistema é dominado pelo espírito cooperativo.
Cabe destacar que Rafael coloca um elemento muito importante na configuração dos processos que é o financiamento das ações. O terceiro setor é prisioneiros do projetismo e o design dos financiamentos configura as organizações. Elas se ajustam. Principalmente porque estão viciados na ideia de planejamento fechado, cadeias de representação e viver na escassez.
Mas pode ser diferente:
Las fuerzas de la abundancia incluyen no solo las tecnologías de producción material como la micro-manufactura, sino nuevas formas sociales de organizar la producción – ética hacker, producción entre pares basada en el comunal, información libre y colaboración horizontal. Desarrollar esta nueva sociedad dentro de la cáscara de la antigua implica expandir las líneas de la filé a partir de los nodos ya existentes.
Kevin Carson, C4SS / Manifesto Comunero